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Na última semana de janeiro de 2021, o Supremo Tribunal Federal alterou seu entendimento acerca da possibilidade de penhora do bem de família de indivíduo que aceitou ser fiador em um contrato de locação comercial.
Na ocasião, o STF considerou que a garantia dada pelo fiador no contrato de locação comercial não visava proteger o direito à moradia do locatário, mas sim o direito de exercer atividade econômica.
Para analisar a questão, no entanto, é preciso lembrar que os contratos - de uma forma geral - movem a vida econômica de uma sociedade, já que nos alimentamos, vestimos, moramos, estudamos e trabalhamos através da formalização de vínculos contratuais, e, com estes, fazemos circular as riquezas no meio social.
Nesse contexto, o contrato de locação, de acordo com os contornos jurídicos dados pela Lei n° 8.245/1991, pode assumir duas modalidades: contrato de locação residencial e contrato de locação não residencial (comercial). Independe da modalidade escolhida pelas partes, é fato que a fiança é bastante utilizada como condição para que a locação seja realizada.
Ocorre que a fiança, assim definida no Código Civil, é o instituto por meio do qual "uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra". Isto é, caso o devedor não pague o que deve, o credor poderá cobrar diretamente do fiador, já que esta é uma espécie de garantia pessoal.
Na prática, portanto, caso o locatário não pague os alugueis devidos ao locador, este poderá cobrá-los diretamente do fiador, desde que: a) o fiador renuncie expressamente o benefício de ordem; b) o fiador tenha se obrigado como principal pagador ou devedor solidário; e, c) o devedor esteja em estado insolvência, ou falido.
Essa cobrança, no entanto, acaba ocorrendo pela via judicial, permitindo que o credor atinja quantos bens do fiador forem necessários para a satisfação da dívida, já que, por ser uma garantia pessoal ou fidejussória, o fiador se comprometeu a adimplir as obrigações do devedor com seu patrimônio pessoal.
E, assim, a questão surge quando o fiador possui apenas um único bem: o chamado bem de família.
Em que pese o o art. 1° da Lei n° 8.009/1990 proibir a penhora de bem imóvel de família de propriedade do devedor, o art. 3º dessa lei, ao abrir um rol de exceções à regra de impenhorabilidade, previu expressamente a possibilidade de o fiador em contrato de locação ter seu imóvel penhorado:
Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (...) VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
O problema, no entanto, é que o texto da lei não especificou em qual modalidade de locação seria possível a penhora do bem de família do fiador: apenas no contrato de locação residencial? Apenas no contrato de locação comercial? Ambas as modalidades de locação?
Em 2010 o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 612.320, decidiu que seria possível a penhora de bem de família de fiador em contrato de locação, editando o Tema 295:
Tema 295 - Penhorabilidade de bem de família de fiador de contrato de locação.
Até janeiro de 2021 todos os tribunais brasileiros se amparavam neste entendimento do STF e na Súmula 549 do Superior Tribunal de Justiça para aplicar o art. 3º, inciso VII da Lei nº 8.009/90 no sentido de permitir a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação comercial.
Contudo, apreciando o tema novamente, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Recurso Extraordinário n° 1.296.835, sob relatoria da Min. Cármen Lúcia, decidiu que o fiador em contrato de locação comercial não poderia ter seu único bem de família penhorado.
Esse entendimento recente foi firmado sob o argumento de que o contrato de locação comercial não busca concretizar o direito de moradia do locatário, mas sim servir de instrumento à garantia de livre exercício da atividade econômica, estabelecida no art. 170, parágrafo único da Constituição Federal.
Apesar da aparente coerência no voto da Min. Relatora, há que se destacar que a fiança, em qualquer espécie contratual, é instrumento de garantia para o cumprimento das obrigações livremente pactuadas e assumidas no meio social.
Quando a lei permite a penhora do bem de família do fiador, seja em contrato locação residencial seja em contrato de locação comercial, o que se busca é a manutenção da força obrigatória dos contratos, evitando que estes se tornem inócuos em uma época tão fluida quanto a que se vive atualmente.
É certo, portanto, que mudar um entendimento que vem sendo formado, aplicado e amadurecido no meio econômico e jurídico desde 1990 acarretará fortes consequências na tão maltratada economia brasileira, pondo em xeque, mais uma vez, a segurança jurídica das relações comerciais.
Artigo escrito por Lucas Barbosa e publicado originalmente em 11 de fevereiro de 2021 no blog do escritório Targino Bastos - Advocacia e Consultoria.
Referências:
Brasil. Lei n° 8.009, de 29 de março de 1990. Lei do Bem de Família. Dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8009.htm
Brasil. Lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil. Institui o Código Civil. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406compilada.htm
Brasil. Lei n° 8.245, de 18 de outubro de 1991. Lei de Locações. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimento a elas pertinentes. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8245.htm
STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO : RE n° 612320 SP. Relator: Min. Ellen Gracie. DJ: 03/09/2010. Supremo Tribunal Federal, 2010. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=3866948&numeroProcesso=612360&classeProcesso=RE&numeroTema=295
STF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO : RE n° 1296835 SP. Relator: Min. Cármen Lúcia. DJ: 29/01/2021. Supremo Tribunal Federal, 2021. Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6038393
AGUIAR, Adriana. STF nega penhora de imóvel de fiador em contrato de aluguel comercial. Valor Econômico, São Paulo, 04 de fev. de 2021. Disponível em: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2021/02/03/stf-nega-penhora-de-imovel-de-fiador-em-contrato-de-aluguel-comercial.ghtml
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